Os profissionais que trabalham para deixar a cidade mais agradável sofrem diariamente com a invisibilidade social e o preconceito
“Meu nome é Maria de Lima Silva, eu trabalho como gari e tenho 56 anos. Sou uma pessoa pobre, mas sempre fui feliz, sofri muito na roça trabalhando, eu capinei, plantei, colhi e quando terminava tudo aquilo eu ia pro mato quebrar coco, fazer carvão, tudo no mesmo instante para poder criar meus seis filhos. Meu irmão me deu a casa dele para morar, comprei um terreno, mas ainda precisava construir minha casa, eu estava desempregada e então fui até à empresa, conversei com o chefe e então arrumei o emprego. Consegui construir minha casa e só falta colocar a cerâmica, mas tenho fé de que, nesse emprego, ainda vou conseguir fazer esse serviço. Eu gosto do que faço, mas a pior parte do serviço é quando estamos com sede e paramos em alguma casa pra pedir água, algumas pessoas dão com alegria, já outros mandam jogar o copo fora”.
Maria, que trabalha como gari há seis anos conta como é não ser enxergada e o preconceito que sofre por conta da profissão. “Às vezes, a gente está parada em algum lugar, algumas pessoas falam, mas outras tampam o nariz com nojo da gente, mas essas coisas não me distraem do meu trabalho. Hoje em dia, eu não fico mais triste, me conformei, eu já me acostumei, mas no começo eu tinha vergonha das pessoas passarem e não falarem comigo. As pessoas não falam com a gente só porque somos garis, é por preconceito. Já sofri muito na vida, mas esse serviço que tenho hoje é o que foi melhor até hoje pra mim”.

A agente de coleta conta que conhece muitas pessoas enquanto faz seu trabalho, mas que ao trocar o uniforme por roupas do dia a dia, nem sempre é reconhecida. “Uma vez eu vi uma pessoa, eu estava sem uniforme e disse ‘oi’. Aí a pessoa disse que me conhecia de algum lugar, mas não estava reconhecendo. Eu fui explicar quem eu era, e a pessoa se espantou e disse que estava muito diferente”.
Apesar de não se considerar uma pessoa invisível, Maria sente na pele o problema da invisibilidade social. “Uma vez fui comprar um tanquinho de lavar roupa em uma loja da cidade, estava com meu uniforme, os vendedores estavam atendendo todo mundo, menos eu”.
Todos os dias, Maria se encontra com suas três amigas no horário do almoço, devido a distância da sua residência, ela e as amigas costumam levar uma marmita de casa. Nesse intervalo, as quatro colegas de trabalho costumam deitar em alguma sombra nas proximidades do trabalho para descansar.
Apesar de não serem enxergadas pelas pessoas que ali passam, as margaridas ̶ forma como as mulheres que trabalham como garis são chamadas ̶ conversam, brincam, se divertem, dão conselhos e até dividem o almoço entre elas, um exemplo de união e força.
Garis – Numa sociedade em que, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), produz-se, em média, por ano, 387 quilos de resíduos cada habitante, o agente de coleta Edivaldo Silva dos Santos, que caminha cerca de 5 quilômetros todos os dias para fazer seu trabalho, considera sua profissão importante para a sociedade e sente orgulho do que faz. “Algumas pessoas me cumprimentam, outras nem olham, parece que a gente nem existe. Eu não sinto vergonha, essa profissão é o que eu sempre almejei, o que sempre quis”, conta.
Trabalhar limpando uma cidade é uma tarefa difícil. Além de enfrentar uma rotina de 8h de trabalho por dia, os garis enfrentam chuva e sol, dia e noite para deixar o ambiente limpo. Apesar de ser uma nobre profissão, essas pessoas não costumam ser valorizadas, se tornam invisíveis diante dos olhos da maior parte da sociedade.

A agente de coleta Salete Conceição conta como é o dia a dia na profissão. “Poucas pessoas cumprimentam quando passam por mim, muitas delas têm preconceito por causa da nossa roupa. Muita gente não dá banheiro pra a gente usar, não dá um copo de água. Tem gente que dá refrigerante, chama pra dar um lanche, mas é muito difícil”.
Salete e Ana Paula Silva, uma colega de trabalho, lembram de algumas situações que já passaram. “A gente estava num grupo de quatro pessoas, pedimos água e a mulher trouxe só um copo descartável com água quente pra nós quatro, a menina não aceitou e fomos embora”.